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PAULO ABREU:
“Hoje em dia chegámos a um ponto onde quase não se pode fazer comédia sobre uma data de assuntos"
Terça-feira 15 Sessão com a presença do realizador às 21h30 no IPDJ
Estreado recentemente nas salas de cinema nacionais, UBU de Paulo Abreu — produção Uma Pedra no Sapato — é apresentado na jornada inaugural do vistacurta.
Alfred Jarry é um autor com uma influência grande sobre surrealistas, dadaístas, tinha como admiradores Duchamp, Picasso e Breton. E o que deixou escrito encontra eco regular na história, ao longo das décadas. Porquê agora o UBU? Provavelmente a ideia já tem algum tempo.
Quem me convenceu a fazer o UBU foi o André Gil Mata. Eu já conhecia a peça e o personagem Ubu e na altura estava no poder o Trump, o Bolsonaro e o Kim Jong Un. Pareceu-me que era uma boa altura para fazer o filme. Infelizmente entretanto os Ubus foram-se “multiplicando” como por exemplo o Milei na Argentina (onde por acaso foi a estreia mundial do filme).
E que tal, o filme falou ao coração dos argentinos?
A estreia foi no Festival Mar del Plata que é um festival que tem muita afluência de publico, que também vai do Chile, Brasil, etc. As sessões de todos os filmes em competição estavam sempre cheias e eram na sala Astor Piazzola, que tem capacidade para 1046 pessoas. A primeira das 3 sessões foi às 9 da manhã e estava completamente cheia, o que me surpreendeu imenso. No fim do filme houve imensas perguntas do público, o que foi muito engraçado, porque havia muitas pessoas que conheciam o personagem Ubu e que o compararam ao Milei, mas eu na altura pouco sabia dele, apesar de ter visto o famoso vídeo da motosserra, onde ele dizia que ia cortar despesas do Estado. Claro que também houve de certeza pessoas que detestaram o filme e ainda bem. Isto por acaso foi uma semana antes das eleições na Argentina e havia um enorme receio que ele ganhasse, mas muita esperança que isso não acontecesse. No dia das eleições recebi uma mensagem do tradutor do festival que dizia: Ubu es Rey.
UBU
PORTUGAL, 2024 | 77'
Ubu, instigado pela sua esposa, assassina o Rei Venceslau e usurpa o trono da Polónia. Embriagado pelo poder, este personagem grotesco e covarde exerce o seu reinado de forma absurda e cruel, levando o país à ruína. "UBU" é uma adaptação cinematográfica do texto teatral escrito no século XIX por Alfred Jarry, uma tragicomédia que se revela actual.
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O simbolismo, a metáfora assustadora e o humor insolente não foram exactamente bem recebidos na Paris de 1896 — e hoje parecem ausentes da arte. Quando realizaste o filme, pensaste na falta que fazem os contornos radicais que sopram na obra original?
Eu sinto que o humor está cada vez mais afastado da arte e é sempre menosprezado ou mal entendido — hoje em dia chegámos a um ponto onde quase não se pode fazer comédia sobre uma data de assuntos, o que eu acho completamente ridículo. Fazem falta mais textos como o UBU, que no fundo é uma tragicomédia que infelizmente se vai revelando cada vez mais actual e que se repete ciclicamente.
Os teus filmes exploram temas com cariz provocador – Alis Ubbo (2018) visou o turismo e a transformação de Lisboa a níveis absurdos. Essa perspectiva de certa forma crítica tem ganho importância nos teus filmes?
O Alis Ubbo é uma sátira sobre a gentrificação e a transformação de Lisboa num enorme parque de diversões. É um assunto muito grave visto de forma irónica. Hoje, ver esse filme para mim é completamente deprimente, porque Lisboa está muito pior agora do que em 2018. O que se começava a adivinhar nessa altura revelou-se bem pior e os lisboetas estão a ser expulsos da cidade. A minha forma de criticar é através do humor, apesar de estar a tocar em assuntos que não têm piada nenhuma. Ultimamente tenho tido a tendência para alternar um filme “sério” com um filme cómico ou ir misturando os géneros no mesmo filme.
É curiosa essa mistura de géneros no mesmo filme…
Eu gosto de misturar géneros, daí também fazer mockumentaries ou filmes a fingir que sou outro realizador. Por exemplo para Guimarães 2012 realizei um filme do género “expressionismo minhoto” mas no fundo estava a fingir que era um realizador amador alemão que tinha vivido em 1920. São exercícios de estilo e não pretendem ser outra coisa. Também, com o João Pedro Gomes, criámos a dupla Daltonic Brothers e tínhamos um blog onde fazíamos vídeo-arte, de realizadores obscuros que no fundo não existiam. Sempre me interessou o lado lúdico do cinema.
PAULO ABREU
Lisboa, 1964. É realizador e artista visual. Estudou Cinema em Lisboa e Nova Iorque. Trabalhou como director de fotografia em filmes de reconhecidos realizadores portugueses como Paulo Rocha, Bruno de Almeida, Luís Alves de Matos, André Gil Mata, Patrick Mendes. 19 obras do realizador fazem parte do catálogo da distribuidora internacional de cinema experimental Light Cone (Paris). Dois desses filmes,“Adormecido” e “Conde Ferreira” foram recentemente adquiridos e exibidos em diversos museus estrangeiros (Argentina, Canadá, França, México, Espanha).
Storyboards do realizador
"Com enorme inteligência, uma crónica dos nossos tempos e seus vilões, suas cobardias e desmandos, sem nunca pretender ensinar a vida a quem vê."
CÍNTIA GIL
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